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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Construção da placa do heliporto da ilha da Culatra (em 32 segundos!) (Cortesia+Algarve)



Mais Algarve mais uma vez pertinho dos acontecimentos na nossa região. Este blog agradece a cedência das imagens.

 "Os moradores da ilha da Culatra cansados de esperar pela construção de um heliporto para as emergências meteram mãos à obra e construíram eles mesmos a placa."

reportagem: Manuel Rodrigues, Mais Algarve

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Festa da Ilha da Culatra - em Honra da Nossa Senhora dos Navegantes


 Decorre sempre no primeiro fim de semana do mês de Agosto, na Ilha da Culatra a festa em honra de Nossa Senhora dos Navegantes, padroeira da Ilha e seus pescadores. Isto quer dizer que foi este fim de semana.

Fotos by: Lúcia Luz
Procissão em Honra de Nossa Senhora dos Navegantes - Foto por Lúcia Luz


Procissão em Honra de Nossa Senhora dos Navegantes - Foto por Lúcia Luz 




Procissão em Honra de Nossa Senhora dos Navegantes - Foto por Lúcia Luz 

Preparação e ingredientes:
Antes da festa começar já há quem corra a ilha recolhendo objectos para rifar no bazar. Na minha infância, faziam-no porta a porta, o que dava um infindável rol de objectos diferentes como canecas, brinquedos, canetas, roupas, shampoos, escovas de cabelo, toda a gente comprava qualquer coisa para essa recolha.  Nos cafés, um grupo grande de mulheres e adolescentes enrolam os papéis com destreza para depois misturar aos que têm prémio.
Nos dias da festa, esse bazar cujos fundos são para ajudar a Associação é muito concorrido, principalmente pelos mais novos que gostam de tentar a sorte e de desenrolar papelinhos.

Além disso, algumas mulheres e crianças (ligadas à Associação Nossa Senhora dos Navegantes e à Comissão de festas) juntavam-se no "salão" (nome dado ao recinto polidesportivo na Ilha da Culatra, onde não apenas se joga futebol de salão, como também se organizam quase todos os bailes da ilha), recortando bandeiras em papel vegetal, que colavam ao longo de cordas enormes esticadas por toda  a sua largura, tornando este salão um labirinto de cordas presas muito baixo para que se possam colar as bandeiras.
Uns dias antes já estão todas as ruas principais da ilha  cheias de bandeiras multicolor, penduradas em cordas que passam os telhados das  casas (depois de haver electricidade, também passam nos postes eléctricos), colocadas por alguns homens da Ilha.


Decoração da Ponte com canas e bandeiras - Foto de Lúcia Luz



Além das decorações, há a tarefa de montar o bazar, de madeira, geralmente com um alpendre, tarefas que lhes compete a eles também. Por trás destas coisas todas há sempre uma pequena multidão a preocupar-se e a dar o seu melhor para que a festa seja bem bonita, que esteja tudo pronto no dia.
E além dessas vicissitudes decorativas, há também que organizar tudo. O baile nos dias da festa tem sempre artistas a abrilhantá-lo. Tem de haver comida, bebida, foguetes, e já para não esquecer a organização da parte fulcral: a procissão.
Os barcos de pesca que levam as imagens por esta altura já são conhecidos, pois foram sorteados (antigamente havia muitos para sortear, agora já são menos) e os respectivos mestres e famílias também se preocupam com o embelezamento para a procissão.
É rara, também, a casa que não está pintada de novo no dia da procissão.


A Festa em Honra da Nossa Senhora dos Navegantes é dinamizada e preparada pelo Clube União Culatrense.

As festividades começam na Sexta-Feira, já com o baile. Hoje em dia muitas pessoas visitam a Ilha para o fim de semana, e há noite já há baile.

Sábado:

Foto: Selma Nunes
No Sábado bem cedo, quando a poucas horas do Sol ter nascido, os foguetes rasgam o céu e começa a ouvir-se os sons de vozes, às vezes através de megafones, e com a música bem alta, indicativo de festa, sons que fazem levantar da cama até os mais resistentes. Eu sempre o fiz protestando. Começam os jogos tradicionais, como corrida de sacos, a caça à moeda dentro do alguidar da água (sem utilizar as mãos), entre outros e os disputados torneios de futebol, que originalmente dividia duas partes da Ilha da Culatra, eram "Poente" contra "Levante", de acordo com o lugar da Ilha onde moravam, "Solteiros" contra "Casados" que sempre existiu em versão feminina também. Este ano abraçou os mais jovens e o torneio de futebol de 7 foi dos 5 aos 16 anos. Abre também o bazar. Pela hora de almoço já cheira a carne e peixe assados debaixo do toldo e há torneios de tudo e mais alguma coisa, por exemplo, matraquilhos.
Este ano até houve a "Festa Sunset" com o Ricardo e João Badalo e dança "Stand Up", pois cresceu na Ilha uma nova Associação - A Associação de Jovens, que tem vindo a completar os programas de festas com actividades para a juventude, principalmente, música e dança.

Quando antes os artistas que actuavam eram todos importados nos dias de Festa, a Ilha da Culatra agora já tem alguns jovens que seguem os primeiros passos na música e que alegram as hostes festivas.


E a tarde vai passando, sempre com muitas actividades, muita festa, bebidas e comidas e toda a alegria deste povo culatrense, homens, mulheres, novos e menos novos.



À noite, depois de jantar, as pessoas juntam-se nos cafés em alegre convívio e caminham até ao salão, transformado em baile, que tem sempre um artista diferente para os receber. Este ano foi o "Conjunto Fábio Lagarto" com a actuação do grupo "Ivete Mangalho" e lá para o fim o DJ Joni

Domingo:
Apesar da hora tardia em que o baile termina, a alvorada às sete da manhã é o ponto de referência para mais festa, mais jogos tradicionais, e a tão almejada corrida de barco a remos "Saveiros".


Corrida de Saveiros, jogos tradicionais: fotos de Lúcia Luz


Este ano, houve também a apresentação de um livro que fala bastante na Ilha da Culatra, pois foi escrito por um primo meu, que passou a infância na Culatra, antes de ir para Luanda, sendo obrigado a regressar com a família numa traineira, sem condições, quando a situação em Angola se tornou insustentável. Esta obra "Odisseia Marítima - Luanda/Olhão - O Regresso em Traineira" de Baldomiro Soares, fala nas gentes da Culatra, nas famílias da Culatra e também conta a aventura a que se sujeitaram na embracação "Sabino I" - hoje em dia "Selma", numa narrativa de cortar a respiração.

Procissão:

 Foto por Lúcia Luz 
Foto por Lúcia Luz 


Nossa Senhora do Rosário:  Foto por Lúcia Luz

Foto por Lúcia Luz
Foto por Lúcia Luz

Foto por Lúcia Luz




O que torna a procissão Nossa Senhora dos Navegantes da Ilha da Culatra diferente? É parcialmente feita de barco, como em algumas comunidades piscatórias em Portugal, mas à maneira da Culatra.
Depois de almoço os barcos estão todos decorados com as suas bandeiras multicolor, de todos os tamanhos e feitios. As famílias vão dentro dos barcos, pequenos e grandes, num frenesi, qual caravana festiva, Ria Formosa adentro até Olhão, com um dos barcos sorteados com a imagem da Nossa Senhora dos Navegantes, que sai da sua Capela e embarca  para ir esperar ao cais de Olhão pela Nossa Senhora do Rosário, padroeira de Olhão.
No meio de muitos vivas, preces, buzinadelas, roncar de motores, palmas, foguetes, e todo o tipo de barulhos humanos e maquinais, o cortejo segue até Olhão e é recebido pelas gentes de Olhão, que se apinham no cais para ver chegar a comitiva. É alegria e devoção.
A Nossa Senhora do Rosário é embarcada no barco que lhe cabe em sorte, a banda de música (este ano a Filarmónica 1º de Dezembro de Moncarapacho) e o Sr. Padre.
Quando as embarcações chegam à Culatra, as imagens são desembarcadas na ponte e uma vez à frente da Capela Nossa Senhora dos Navegantes, é celebrada a Eucaristia Solene, presidida pelo pároco de Olhão (Sr. Padre Luís Gonzaga), seguida de Procissão pela Culatra, sempre com muita religiosidade e muitos vivas. Segue o Sermão ao recolher da procissão.
Então a imagem da Nossa Senhora do Rosário, de Olhão, é levada de volta para casa.

Depois:
Se se pensa que a população da Culatra está cansada após tantas actividades e que quando a procissão já esta finalizada vão para casa dormir, estão a ser ingénuos. Esta minha gente tem muita energia, que lhes vem dos benefícios do ar puro e do peixe fresco. Ainda há baile a seguir, foguetes, fogos de artíficio.
As coisas agora estão um pouco diferentes, na minha infância fui terminantemente proibida de ser louca e ir a correr à procura das canas dos foguetes, mas havia quem o fizesse. Tinham medo que nos rebentassem nas mãos e com razão. Não tenho conhecimento de que agora isso seja sequer possível... mas era interessante para nós apanhar qualquer coisa que tinha estado mais alto que nós e que tinha feito um psssssssssssssst pum pum... puuuuum que fazia com que gatos e cães se escondessem debaixo das camas a tremer.
Mas entre foguetes e fogos de artíficio (agora disparados mais longe, muito mais longe, penso que não seja possível ir a correr apanhar as canas) contudo a magia continua no baile e com mais artistas.
Este ano foi o DJ Rodrigo que fez as honras no salão de Domingo.

É assim que entre costumes pagãos e muita religiosidade a minha gente celebra a sua festa, com a alegria do costume. Foi assim que aconteceu, mais um ano.
Foto: Lúcia Luz






terça-feira, 22 de maio de 2012

Uma vista diferente daquela a que se está habituado

Cores diferentes, por isso tirei estas fotos. Espero que desfrutem da paisagem, embora a nossa Ria esteja um pouco picada.



Este vídeo foi feito no dia 20-05-2012.
Estava um vento terrível. O pobre microfone da câmara captou o que pode. Aviso: baixem o volume do pc, ou a casa vai abaixo. Deixo aqui cores diferentes da Ilha da Culatra, para os que estão apenas habituados ao Sol torrante dos meses de Verão e um alô a quem por um ou outro motivo está "em terra", longe de "casa".


terça-feira, 8 de março de 2011

O convívio na Ilha da Culatra: os homens e as mulheres

O que pode parecer machista ou feminista à primeira vista de quem visita pela primeira vez a Ilha da Culatra, é apenas uma questão de tradição e de hábito. Um observador vindo de fora olha com curiosidade que o convívio na Ilha da Culatra é encarado de maneira diferente. É uma ilha, como que uma pequena aldeia, em que todos ou quase todos são de família, ou relacionados por casamento. Basta dizer isto para confundir as mentes mais pensadoras: tenho primos lá que são meus primos pela parte do meu pai em primeiro grau e primos em segundo grau pela parte da minha mãe (isto sem querer confundir muito, pois acredite-se que consigo).
Numa ilha em que não só isso, mas em que todos se conhecem, pois viram-se crescer, é natural que o convívio seja alargado a todas as idades e que haja um sentimento de pertença e de união muito fortes. Qualquer pessoa que venha “de fora” estranhará primeiramente, na visita a um dos cafés que as pessoas se aglomerem em grandes grupos e ainda mais que geralmente as mulheres e os homens convivam em separado.
Há uns anos atrás os “cafés” não eram cafés. Eram tabernas, frequentadas por homens. As mulheres não eram bem vistas se fossem ao café e era impensável que uma mulher solteira se sentasse no café ao lado de um homem. Depois do 25 de Abril, as mentalidades mudaram um pouco. Não foi instantâneo, mas facto é que mudaram por todo o país e isso é do conhecimento geral. Essa geração para azo das más línguas ( e isto valeu muitos puxões de orelhas das mães) começou a frequentar cafés, a fumar, tal qual só os homens faziam antes. Tanto que “ir ao café” tornou-se parte integrante do convívio entre as pessoas, que se sentam para beber e conversar, às vezes para petiscar, pois o culatrense é um povo animado e gosta de conversar, conviver, dançar, enfim, igual a qualquer outra terra, não é? No entanto há um forte sentimento de respeito entre todos.


foto tirada do site http://fotosa.ru/ru/stock/search.asp?ID=2764040 homens da Ilha da Culatra em torneio de volei

É imagem da minha infância, e quando digo isto estou a ir aos anos 80, os cafés com longos balcões, muitos deles também mercearias, balcões esses frequentados por homens encostados a conversar uns com os outros sobre futebol e pesca e as mulheres sentadas nas poucas mesas.
Ora ver as mulheres a conversar por um lado e no mesmo “café” os homens noutra sala pode parecer estranho, como disse, mas tem tudo a ver com interesses e convívio. É uma Ilha. Elas não precisam de marcar na agenda encontrar-se com os maridos, como muitas mulheres nas cidades o fazem. Também não passam o dia inteiro sem os ver. É fácil e digamos até inevitável, sendo uma ilha, que se vão encontrando de vez em quando. Cada qual agrupa-se por área de interesse discutindo os seus assuntos, quer estes sejam lingeries, coisas pessoais, combinar um jantar entre todas, conversar sobre os filhos, rir, contar umas piadas. Os homens, por sua vez vão ver o futebol e falam dos seus assuntos também, como a pesca, o futebol, os ganhos, combinam jantares de amigos, entre coisas que tais.
Sentem-se assim, confortáveis. Não é muito comum ver um casal junto na mesma mesa a tomar café. Conversam em casa. Os cafés são para conviver com os outros. Tento explicar: não é machismo. É uma ilha. Os cafés tornaram-se pontos de convívio. Ao fim de semana, é como um qualquer casal moderno faz, ela vai jantar com as amigas e ele com os amigos... a diferença é que tendenciosamente encontram-se e às vezes até jantam no mesmo restaurante, só que em mesas diferentes. Brincam com o assunto. É o “grupo delas”. E os “eles”. E todos convivem em paz, salvo uma discussãozita ou outra, que também acontece nas melhores famílias, quanto mais numa família tão grande.
Os cafés mudaram muito ao longo dos tempos. Muitos deles agora também são restaurantes. Já não têm mercearias em anexo. As mercearias são pequenos supermercados, os cafés continuam com balcões grandes, mas têm mais mesas. A maior parte deles tem esplanadas. As mulheres continuam a agrupar-se todas juntas e os homens todos juntos. Eles jogam “sueca”, poker de dados, snooker, vêem futebol, discutem futebol, jogam matraquilhos. Elas jogam matraquilhos, sueca e poker de dados, às vezes snooker, lêem revistas e falam dos seus assuntos.
Eles vão ao mar, elas dedicam-se à ameîjoa, ou a outras actividades piscatórias. Eles andam nos barcos de pesca, elas educam os filhos e muitas vezes ajudam e participam também na faina. Muitas delas, com o avançar dos tempos, têm empregos em Olhão, ou em Faro, nas mais diversas áreas. A mulher da Ilha acompanha os seus entes ao médico, vai às compras e é mais expedita a tratar certos assuntos que os homens não gostam (e muitos não sabem!). O homem culatrense é por norma fisicamente forte, homem do mar, corajoso, sociável, sensível e com um grande sentido de responsabilidade e do seu lugar na comunidade. As mulheres são mais perspicazes, também elas fortes, com um grande sentido de família, capazes de ir ao mar se de tal houver necessidade.
Nos últimos tempos elas têm-se interessado mais por continuar a estudar do que eles, ocupados nas suas vidas de sempre. A mulher culatrense tem tido tendência a estudar mais, para aprender mais, e tem evoluído de maneiras que eram difíceis de realizar antes, devido aos próprios condicionamentos sociais impostos pela ditadura, e exactamente como aconteceu um pouco por todo o país, a mulher culatrense vai aos poucos, encontrando o seu lugar na sociedade. Talvez por isso mesmo é que tem havido da parte das mulheres mais preocupação em evoluir a nível de conhecimento e de competências. Elas têm andado a lutar pelo seu lugar, eles já o tinham. E declaro isto sem feminismos ou machismos, as coisas são mesmo assim. Elas organizam o apoio social, a Associação de Moradores, as festas. Eles gerem o clube de futebol e fazem as coisas para as quais é necessário mais força física. A mulher culatrense é essencial na união de toda a comunidade e no que toca à gestão de esforços. O homem culatrense é essencial nas questões práticas. São dotados do senso comum que ajuda à realização de projectos. Todos vão ao “café”, elas por um lado, eles por outro, todos se divertem com os amigos e ninguém acha isso estranho a não ser quem vem de fora. Também não tardam a habituar-se.

quarta-feira, 2 de março de 2011

A infância e ensino na Ilha da Culatra ao longo dos tempos

Todos sabemos que uma das pedras-chave da ditadura de Salazar foi a alfabetização da população. A quarta classe era essencial e fazia parte do molde educativo do Novo Estado, juntamente com o amor à bandeira, os textos sobre as colónias, o exacerbar dos grandes feitos do povo português, o cantar do hino e a familiar foto por cima do quadro negro. Para muitos portugueses que cresceram nessa época foram educados assim e a Ilha da Culatra não passou despercebida. Quando as crianças nasciam eram registadas mais tarde, pois nem sempre era possível ir logo registar. Assim sendo, há uma toda geração que não tem nos seus registos a verdadeira data de nascimento. Na altura, também não era dada a extrema importância a essas coisas pois o importante era providenciar sustento para a família, que geralmente era mais alargada que as famílias dos dias de hoje. As proles eram enormes, na maior parte dos casos.
Atente-se na Ilha da Culatra outra vez. Já contei que grande parte da população era registada conforme possível, muitas vezes com meses e até anos de diferença ao real nascimento. A escola primária era no antigo “salva-vidas” e já nos tempos da minha avó estava em ruínas. Foi salva vidas enquanto a areia não ganhou terreno à costa e depois o casarão foi transformado em escola primária. As professoras vinham de “terra”, ou seja, de Olhão e muitas vezes no rigor do Inverno (não haviam serviços de carreira como nos dias de hoje) não podia haver aulas. No entanto, há relatos de de professoras que pernoitavam na Ilha.
Na minha infância o antigo salva-vidas e antiga escola era um edíficio em ruínas, onde era perigosamente divertido ir brincar. É a última casa antes do caminho para a costa. Tinha umas escadaria de ferro, que já no tempo de primária de minha avó há mais de sessenta anos eram perigosas, no meu tempo, impraticáveis e cheias de ferrugem.
No final dos anos noventa o edíficio em ruínas ex-salva vidas, ex-escola primária foi reabilitado, as suas paredes deitadas abaixo e deu lugar ao centro social e infantário. Nos dias de hoje é de lá que saiem as refeições para os idosos, numa pequena motorizada de caixa fechada que os distribui pelas casas dos utentes, tal e qual acontece nos outros sítios, com um grande pendor social e consciência comunitária. Este centro de dia está a cargo da Associação Nossa Senhora dos Navegantes.
A escola fica um pouco mais abaixo agora e desde que me entendo por gente que lá está. Na minha infância era um barracão pré-fabricado, com um poço de água estéril atrás. Tenho a ideia de que aderiu, no final dos anos setenta (de acordo com as memórias de um dos antigos alunos deste sistema, em 1976) ao conceito de tele-escola. Hoje em dia lecciona da primeira classe até ao sexto ano, sendo que a partir daí os alunos vão e voltam para a escola nos barcos da carreira, até há pouco tempo para a cidade de Olhão, se bem que Faro hoje em dia está a começar a oferecer a alternativa, visto que na verdade, os habitantes da Ilha da Culatra pertencem a Faro e não à cidade de Olhão. Já não é um pré-fabricado e está em melhores condições de que há uns anos. Os professores continuam a vir de Olhão, ou outras cidades todos os dias.
Além do sistema de ensino normal, também têm havido projectos de re-educação, pequenos cursos para adultos, como um pouco por todo o país, de forma a que os adultos tenham a hipótese de ter também para si, a escolaridade mínima obrigatória.
Os habitantes que mais se agarraram às novas oportunidades foram as mulheres da Ilha da Culatra, que têm, ano após ano, começado a entender o seu papel no seio da comunidade, mais livres dos preconceitos morais e políticos, talvez mais interessadas em aprender e evoluir. E é com a participação feminina nos assuntos do dia a dia da Ilha da Culatra que se têm organizado os habitantes e reinvidicado mais e melhores condições.

No próximo post falaremos sobre todas as diferenças entre cães e gatos, ou seja, os homens e as mulheres na Ilha da Culatra e respectivos papéis na vida desta comunidade essencialmente piscatória.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A Electricidade

Eu era bastante nova, mas lembro-me bem de não haver luz eléctrica. A casa da minha avó tinha um gerador de energia, dificílimo de pôr a trabalhar. Fazia um barulho ensurdecedor. Esse gerador alimentava a nossa e a casa do lado. Só o meu avô e os meus tios tinham força para dar à manivela.
Alguém se imagina nos dias de hoje a dar insistentemente à manivela para poder acender a luz? Para ver televisão? Não, pois não? E se eu disser que muitas casas nem tinham gerador? As pessoas andavam por casa, quando anoitecia, com candeeiros a petróleo, em pleno século XX. Só de estar a escrever sobre isso, parece que me vem o cheiro ao nariz.
gerador de energia eléctrico

candeeiro a petróleo vulgar

Quando caía a noite, não havia iluminação nocturna nas ruas, apenas em alguns dos “cafés” que tinham gerador.
As pessoas conversavam à porta de casa, envoltas em penumbra, muitos usavam lanternas (conhecidas como foxes por estes lados) para alumiarem os caminhos. Na minha casa antes de partir para a faina, o meu avô ligava o gerador para que se acendesse a televisão. Ou seja, víamos televisão à noite, nunca durante o dia. Esse gerador ligado dava energia para que outro gerador puxasse a água do poço para o depósito. Esse pequeno depósito de água é que abastecia as torneiras e a canalização da casa. Durante o dia, para poupar a água do depósito, era tirada água do poço a baldes. É claro que também não existia sistema de esgotos. Os dejectos iam para fossas sépticas.

As coisas mudaram tinha eu uns oito ou nove anos de idade. Depois de muito batalhar as luzes da Ilha da Culatra acenderam pela primeira vez... lembro-me de até ouvir aplaudir quando o teste foi feito.
A situação foi festejada com um baile tendo como artista convidada Alexandra.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Um pouco de história

Eram tempos difíceis, de vida dura. A Europa (embora não houvesse uma ideia de Europa como existe agora) era sacudida por grandes mudanças. Portugal também. Estamos a falar dos finais do século XIX e início do século XX, tempos muito conturbados, em nada semelhantes à calmaria destes nossos tempos. A queda do Império Austro-Húngaro e a participação portuguesa na I Guerra Mundial, a queda da I República Portuguesa sucedida pela ditadura de Salazar e o Estado Novo, a Guerra Civil Espanhola e a neutralidade portuguesa na II Guerra Mundial, tudo no espaço de poucos anos, época em que as nossas almadravas estavam no auge, a revolução industrial gritava modernidades no seu púlpito citadino, no Algarve a indústria conserveira estabelecia-se em força, como em todos os meios que fossem piscatórios, um pouco por todo o país, as mulheres de famílias mais pobres começaram a trabalhar nessas mesmas fábricas, mulheres que havia pouco mal podiam sair de casa, agora saíam para trabalhar às tantas da matina sempre que se fazia soar o chamamento, apito estridente que eriçava os pêlos da nuca, a qualquer hora da madrugada em que houvesse peixe a descarregar. Todas estas coisas abanaram a vida das pessoas, mesmo a vida de quem não tem o nome gravado nos anais da História. E os factos a que chamamos de História eram na altura parte integrante da vida das pessoas.




A Ilha da Culatra estava ligada a Olhão, por proximidade, através da Ria. Eram, na sua grande maioria, algumas famílias de modos humildes, de fracas habitações, sujeitas às agruras dos tempos e fechadas em si mesmas, quer pela ausência de electricidade, rede de esgotos, água canalizada, rádio ou televisão, quer pelas condicionantes morais da época. Mulheres e homens sérios tinham padrões de dignidade que condicionavam os seus comportamentos, como em qualquer sítio do mundo. A única diferença é que a polícia não andava por perto. Os habitantes, até há bem pouco tempo estiveram quase como que entregues a si mesmos e tinham os seus modos de julgar as situações. Mas agora aquela ilha barreira tem muitos olhos sequiosos pelas suas águas cristalinas e está mais policiada, tal como qualquer comunidade no país... pelo menos no Verão.





Voltemos atrás, a esses tempos perdidos nos tempos e que não constam em anais de história por não viver por lá ninguém rico que se dedicasse à escrita, ou um bispo importante que mandasse erigir um grande monumento.

Quando foi necessário encontrar novas oportunidades para trabalhar e alimentar-se a si e às suas famílias, pensa-se que se tenham refugiado nas areias daquela ilha barreira alguns homens que por lá trabalhavam nas armações de pesca de Sardinha à Valenciana, na arte da xávega (redinha), e nas almadravas para o atum(?), e cada armação destas no mar correspondia a um arraial em terra, ou seja um conjunto de cabanas, que se via nessa altura por toda a costa algarvia, construídas para que pescadores e suas famílias tivessem um tecto. Naquela ilha barreira não foi diferente. Construíram pequenas barracas de garrão, espécie vegetal encontrada na própria ilha e nelas passaram a viver. E tardou pouco até que estas cabanas se tenham tornado as suas efectivas residências, mesmo quando as artes que professavam foram substituídas por outros modos de vida, como as sacadas, com embarcações à vela ou a remos, para apanhar o famoso chicharro.

Foi assim que este arraial se foi tornando, aos poucos e poucos numa pequena comunidade piscatória, constituída por famílias que em muitos casos não se conheciam de lado algum, provenientes de vários pontos piscatórios do Algarve, como Tavira, como também de outras partes do país, como Setúbal, Tavira, entre outras. Não tardaram a trazer para as areias dessa ilha em plena Ria Formosa as suas mulheres e as crianças e por lá iam ficando, construíndo casas do famoso garrão, que proliferava na ilha. Dedicados à pesca, rumando ao mar em pequenos barcos à vela, ou a remos, completamente dependentes das adversidades climatéricas.




A comunidade foi crescendo, de acordo com a natalidade da época e apareciam também de quando em vez mais pessoas, algumas delas não se sabendo ao certo se viriam fugidas ou não, e as histórias preenchiam o imaginário deste povo piscatório que viam dar à costa as mais estranhas coisas que por vezes reutilizavam e por outras simplesmente enterravam.
Contaram-me que muitas vezes corpos inchados davam à costa, animais e pessoas, estas últimas traziam as superstições, os medos, tão naturais como a água num mundo de famílias ligadas ao mar. Todos os corpos eram enterrados nas dunas entre a Praia dos Hangares (que servia a Marinha) e a costa da Praia da Culatra e como eram desconhecidos, eram enterrados debaixo de cruzes de madeira sem quaisquer inscrições, o que propiciava as mais inúmeras histórias de medos e fantasmas que povoavam o imaginário destas gentes simples do mar.






Com o final da I Guerra Mundial veio a Gripe Pneumónica, trazida de Espanha. Morreram muitas pessoas com essa terrível gripe por todo o continente português e a Ilha da Culatra não foi excepção, muitas outras pessoas deram à costa. Muitas famílias numerosas diminuíram drásticamente e não foram poucas as famílias que ficaram na miséria, sem braços para trabalhar, sem maneira de subsistir. Mesmo assim, foi sobrevivendo esta comunidade. Habituando-se a conviver em família, ajudando-se uns aos outros, dando no que se vê hoje em dia: um exemplo de união.


Na madrugada do dia 19 de Julho de 1987, dia de eleições legislativas,
um grupo de amigos cansados de promessas, tomaram a iniciativa de
tocar os sinos da Igreja da Culatra, juntado a população em geral,
velhos e novos, saíram à rua e depressa tomaram uma decisão
consensual, a de nunca mais votar enquanto o poder político não
começasse a cumprir as promessas feitas em campanhas eleitorais.
Promessas de melhorar as condições de vida na Ilha, nomeadamente a
rede de energia eléctrica, saneamento básico, barco ambulância, porto
de pesca, legalização das habitações, entre outras.
Esta data representa para todos os culatrenses um marco importante nas
suas vidas. Foi o primeiro boicote eleitoral da população e outros se
seguiram, o que fez com que a Ilha da Culatra nunca mais fosse a
mesma, ganhou poder reivindicativo, a comunidade amadureceu e
organizou-se e a partir desse dia foi criada a Associação de Moradores
da Ilha Culatra, que até hoje tem sido fiel aos objectivos que
determinaram a sua criação: " UNIAO; FORÇA E DETERMINAÇÂO ", para
lutar por uma melhor qualidade de vida para todos.

in http://adefesadefaro.blogspot.com por Sílvia Padinha





Esta pequena comunidade que sobrevivia contra ventos e marés em terreno inóspito é hoje em dia a minha família. É sobre esta comunidade, este blog.
É caso para dizer "Bem vindo à Ilha da Culatra", no coração da Ria Formosa,esta última que depois mudou de nome para Parque Natural da Ria Formosa, homologado com muitas leis, decretos e opinado por muitos, compreendido por muito poucos. Principalmente a espécie humana, que leis, políticas e decretos queriam (ou então, não) extinguir das areias que sempre foram a suas terras. Felizmente não são índios e não estamos nas américas... e aos poucos quem já habitava as areias da Culatra há mais de um século vai perdendo o recém adquirido título de impostor. Neste momento a Ilha da Culatra é considerada uma das maiores comunidades piscatórias em ilha (sem contar com os arquipélagos da Madeira e Açores), tem electricidade e a muito custo tem vindo a ser delegada, não sem muito esforço, o direito à água, como qualquer comunidade do país.
Neste momento a Ilha da Culatra tem um porto de abrigo, fruto de muita luta, um clube de futebol (Clube União Culatrense), a Associação de Moradores Nossa Senhora dos Navegantes, Junta de Freguesia, Centro Social e claro está uma escola, esta já mais antiga.




Esta comunidade desenvolveu tradições e hábitos muito próprios, e tem persistido ao longo dos tempos como prova de que a união faz a força.





quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Olá

Este blog está em manutenção acaba de ser criado e destina-se a conhecer melhor esta comunidade maravilhosa tão falada e anunciada, mas que só de dentro se conhece. A Ilha da Culatra, a sua história e suas gentes, brevemente, neste blog.