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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A Electricidade

Eu era bastante nova, mas lembro-me bem de não haver luz eléctrica. A casa da minha avó tinha um gerador de energia, dificílimo de pôr a trabalhar. Fazia um barulho ensurdecedor. Esse gerador alimentava a nossa e a casa do lado. Só o meu avô e os meus tios tinham força para dar à manivela.
Alguém se imagina nos dias de hoje a dar insistentemente à manivela para poder acender a luz? Para ver televisão? Não, pois não? E se eu disser que muitas casas nem tinham gerador? As pessoas andavam por casa, quando anoitecia, com candeeiros a petróleo, em pleno século XX. Só de estar a escrever sobre isso, parece que me vem o cheiro ao nariz.
gerador de energia eléctrico

candeeiro a petróleo vulgar

Quando caía a noite, não havia iluminação nocturna nas ruas, apenas em alguns dos “cafés” que tinham gerador.
As pessoas conversavam à porta de casa, envoltas em penumbra, muitos usavam lanternas (conhecidas como foxes por estes lados) para alumiarem os caminhos. Na minha casa antes de partir para a faina, o meu avô ligava o gerador para que se acendesse a televisão. Ou seja, víamos televisão à noite, nunca durante o dia. Esse gerador ligado dava energia para que outro gerador puxasse a água do poço para o depósito. Esse pequeno depósito de água é que abastecia as torneiras e a canalização da casa. Durante o dia, para poupar a água do depósito, era tirada água do poço a baldes. É claro que também não existia sistema de esgotos. Os dejectos iam para fossas sépticas.

As coisas mudaram tinha eu uns oito ou nove anos de idade. Depois de muito batalhar as luzes da Ilha da Culatra acenderam pela primeira vez... lembro-me de até ouvir aplaudir quando o teste foi feito.
A situação foi festejada com um baile tendo como artista convidada Alexandra.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Um pouco de história

Eram tempos difíceis, de vida dura. A Europa (embora não houvesse uma ideia de Europa como existe agora) era sacudida por grandes mudanças. Portugal também. Estamos a falar dos finais do século XIX e início do século XX, tempos muito conturbados, em nada semelhantes à calmaria destes nossos tempos. A queda do Império Austro-Húngaro e a participação portuguesa na I Guerra Mundial, a queda da I República Portuguesa sucedida pela ditadura de Salazar e o Estado Novo, a Guerra Civil Espanhola e a neutralidade portuguesa na II Guerra Mundial, tudo no espaço de poucos anos, época em que as nossas almadravas estavam no auge, a revolução industrial gritava modernidades no seu púlpito citadino, no Algarve a indústria conserveira estabelecia-se em força, como em todos os meios que fossem piscatórios, um pouco por todo o país, as mulheres de famílias mais pobres começaram a trabalhar nessas mesmas fábricas, mulheres que havia pouco mal podiam sair de casa, agora saíam para trabalhar às tantas da matina sempre que se fazia soar o chamamento, apito estridente que eriçava os pêlos da nuca, a qualquer hora da madrugada em que houvesse peixe a descarregar. Todas estas coisas abanaram a vida das pessoas, mesmo a vida de quem não tem o nome gravado nos anais da História. E os factos a que chamamos de História eram na altura parte integrante da vida das pessoas.




A Ilha da Culatra estava ligada a Olhão, por proximidade, através da Ria. Eram, na sua grande maioria, algumas famílias de modos humildes, de fracas habitações, sujeitas às agruras dos tempos e fechadas em si mesmas, quer pela ausência de electricidade, rede de esgotos, água canalizada, rádio ou televisão, quer pelas condicionantes morais da época. Mulheres e homens sérios tinham padrões de dignidade que condicionavam os seus comportamentos, como em qualquer sítio do mundo. A única diferença é que a polícia não andava por perto. Os habitantes, até há bem pouco tempo estiveram quase como que entregues a si mesmos e tinham os seus modos de julgar as situações. Mas agora aquela ilha barreira tem muitos olhos sequiosos pelas suas águas cristalinas e está mais policiada, tal como qualquer comunidade no país... pelo menos no Verão.





Voltemos atrás, a esses tempos perdidos nos tempos e que não constam em anais de história por não viver por lá ninguém rico que se dedicasse à escrita, ou um bispo importante que mandasse erigir um grande monumento.

Quando foi necessário encontrar novas oportunidades para trabalhar e alimentar-se a si e às suas famílias, pensa-se que se tenham refugiado nas areias daquela ilha barreira alguns homens que por lá trabalhavam nas armações de pesca de Sardinha à Valenciana, na arte da xávega (redinha), e nas almadravas para o atum(?), e cada armação destas no mar correspondia a um arraial em terra, ou seja um conjunto de cabanas, que se via nessa altura por toda a costa algarvia, construídas para que pescadores e suas famílias tivessem um tecto. Naquela ilha barreira não foi diferente. Construíram pequenas barracas de garrão, espécie vegetal encontrada na própria ilha e nelas passaram a viver. E tardou pouco até que estas cabanas se tenham tornado as suas efectivas residências, mesmo quando as artes que professavam foram substituídas por outros modos de vida, como as sacadas, com embarcações à vela ou a remos, para apanhar o famoso chicharro.

Foi assim que este arraial se foi tornando, aos poucos e poucos numa pequena comunidade piscatória, constituída por famílias que em muitos casos não se conheciam de lado algum, provenientes de vários pontos piscatórios do Algarve, como Tavira, como também de outras partes do país, como Setúbal, Tavira, entre outras. Não tardaram a trazer para as areias dessa ilha em plena Ria Formosa as suas mulheres e as crianças e por lá iam ficando, construíndo casas do famoso garrão, que proliferava na ilha. Dedicados à pesca, rumando ao mar em pequenos barcos à vela, ou a remos, completamente dependentes das adversidades climatéricas.




A comunidade foi crescendo, de acordo com a natalidade da época e apareciam também de quando em vez mais pessoas, algumas delas não se sabendo ao certo se viriam fugidas ou não, e as histórias preenchiam o imaginário deste povo piscatório que viam dar à costa as mais estranhas coisas que por vezes reutilizavam e por outras simplesmente enterravam.
Contaram-me que muitas vezes corpos inchados davam à costa, animais e pessoas, estas últimas traziam as superstições, os medos, tão naturais como a água num mundo de famílias ligadas ao mar. Todos os corpos eram enterrados nas dunas entre a Praia dos Hangares (que servia a Marinha) e a costa da Praia da Culatra e como eram desconhecidos, eram enterrados debaixo de cruzes de madeira sem quaisquer inscrições, o que propiciava as mais inúmeras histórias de medos e fantasmas que povoavam o imaginário destas gentes simples do mar.






Com o final da I Guerra Mundial veio a Gripe Pneumónica, trazida de Espanha. Morreram muitas pessoas com essa terrível gripe por todo o continente português e a Ilha da Culatra não foi excepção, muitas outras pessoas deram à costa. Muitas famílias numerosas diminuíram drásticamente e não foram poucas as famílias que ficaram na miséria, sem braços para trabalhar, sem maneira de subsistir. Mesmo assim, foi sobrevivendo esta comunidade. Habituando-se a conviver em família, ajudando-se uns aos outros, dando no que se vê hoje em dia: um exemplo de união.


Na madrugada do dia 19 de Julho de 1987, dia de eleições legislativas,
um grupo de amigos cansados de promessas, tomaram a iniciativa de
tocar os sinos da Igreja da Culatra, juntado a população em geral,
velhos e novos, saíram à rua e depressa tomaram uma decisão
consensual, a de nunca mais votar enquanto o poder político não
começasse a cumprir as promessas feitas em campanhas eleitorais.
Promessas de melhorar as condições de vida na Ilha, nomeadamente a
rede de energia eléctrica, saneamento básico, barco ambulância, porto
de pesca, legalização das habitações, entre outras.
Esta data representa para todos os culatrenses um marco importante nas
suas vidas. Foi o primeiro boicote eleitoral da população e outros se
seguiram, o que fez com que a Ilha da Culatra nunca mais fosse a
mesma, ganhou poder reivindicativo, a comunidade amadureceu e
organizou-se e a partir desse dia foi criada a Associação de Moradores
da Ilha Culatra, que até hoje tem sido fiel aos objectivos que
determinaram a sua criação: " UNIAO; FORÇA E DETERMINAÇÂO ", para
lutar por uma melhor qualidade de vida para todos.

in http://adefesadefaro.blogspot.com por Sílvia Padinha





Esta pequena comunidade que sobrevivia contra ventos e marés em terreno inóspito é hoje em dia a minha família. É sobre esta comunidade, este blog.
É caso para dizer "Bem vindo à Ilha da Culatra", no coração da Ria Formosa,esta última que depois mudou de nome para Parque Natural da Ria Formosa, homologado com muitas leis, decretos e opinado por muitos, compreendido por muito poucos. Principalmente a espécie humana, que leis, políticas e decretos queriam (ou então, não) extinguir das areias que sempre foram a suas terras. Felizmente não são índios e não estamos nas américas... e aos poucos quem já habitava as areias da Culatra há mais de um século vai perdendo o recém adquirido título de impostor. Neste momento a Ilha da Culatra é considerada uma das maiores comunidades piscatórias em ilha (sem contar com os arquipélagos da Madeira e Açores), tem electricidade e a muito custo tem vindo a ser delegada, não sem muito esforço, o direito à água, como qualquer comunidade do país.
Neste momento a Ilha da Culatra tem um porto de abrigo, fruto de muita luta, um clube de futebol (Clube União Culatrense), a Associação de Moradores Nossa Senhora dos Navegantes, Junta de Freguesia, Centro Social e claro está uma escola, esta já mais antiga.




Esta comunidade desenvolveu tradições e hábitos muito próprios, e tem persistido ao longo dos tempos como prova de que a união faz a força.





quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Olá

Este blog está em manutenção acaba de ser criado e destina-se a conhecer melhor esta comunidade maravilhosa tão falada e anunciada, mas que só de dentro se conhece. A Ilha da Culatra, a sua história e suas gentes, brevemente, neste blog.