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quarta-feira, 2 de março de 2011

A infância e ensino na Ilha da Culatra ao longo dos tempos

Todos sabemos que uma das pedras-chave da ditadura de Salazar foi a alfabetização da população. A quarta classe era essencial e fazia parte do molde educativo do Novo Estado, juntamente com o amor à bandeira, os textos sobre as colónias, o exacerbar dos grandes feitos do povo português, o cantar do hino e a familiar foto por cima do quadro negro. Para muitos portugueses que cresceram nessa época foram educados assim e a Ilha da Culatra não passou despercebida. Quando as crianças nasciam eram registadas mais tarde, pois nem sempre era possível ir logo registar. Assim sendo, há uma toda geração que não tem nos seus registos a verdadeira data de nascimento. Na altura, também não era dada a extrema importância a essas coisas pois o importante era providenciar sustento para a família, que geralmente era mais alargada que as famílias dos dias de hoje. As proles eram enormes, na maior parte dos casos.
Atente-se na Ilha da Culatra outra vez. Já contei que grande parte da população era registada conforme possível, muitas vezes com meses e até anos de diferença ao real nascimento. A escola primária era no antigo “salva-vidas” e já nos tempos da minha avó estava em ruínas. Foi salva vidas enquanto a areia não ganhou terreno à costa e depois o casarão foi transformado em escola primária. As professoras vinham de “terra”, ou seja, de Olhão e muitas vezes no rigor do Inverno (não haviam serviços de carreira como nos dias de hoje) não podia haver aulas. No entanto, há relatos de de professoras que pernoitavam na Ilha.
Na minha infância o antigo salva-vidas e antiga escola era um edíficio em ruínas, onde era perigosamente divertido ir brincar. É a última casa antes do caminho para a costa. Tinha umas escadaria de ferro, que já no tempo de primária de minha avó há mais de sessenta anos eram perigosas, no meu tempo, impraticáveis e cheias de ferrugem.
No final dos anos noventa o edíficio em ruínas ex-salva vidas, ex-escola primária foi reabilitado, as suas paredes deitadas abaixo e deu lugar ao centro social e infantário. Nos dias de hoje é de lá que saiem as refeições para os idosos, numa pequena motorizada de caixa fechada que os distribui pelas casas dos utentes, tal e qual acontece nos outros sítios, com um grande pendor social e consciência comunitária. Este centro de dia está a cargo da Associação Nossa Senhora dos Navegantes.
A escola fica um pouco mais abaixo agora e desde que me entendo por gente que lá está. Na minha infância era um barracão pré-fabricado, com um poço de água estéril atrás. Tenho a ideia de que aderiu, no final dos anos setenta (de acordo com as memórias de um dos antigos alunos deste sistema, em 1976) ao conceito de tele-escola. Hoje em dia lecciona da primeira classe até ao sexto ano, sendo que a partir daí os alunos vão e voltam para a escola nos barcos da carreira, até há pouco tempo para a cidade de Olhão, se bem que Faro hoje em dia está a começar a oferecer a alternativa, visto que na verdade, os habitantes da Ilha da Culatra pertencem a Faro e não à cidade de Olhão. Já não é um pré-fabricado e está em melhores condições de que há uns anos. Os professores continuam a vir de Olhão, ou outras cidades todos os dias.
Além do sistema de ensino normal, também têm havido projectos de re-educação, pequenos cursos para adultos, como um pouco por todo o país, de forma a que os adultos tenham a hipótese de ter também para si, a escolaridade mínima obrigatória.
Os habitantes que mais se agarraram às novas oportunidades foram as mulheres da Ilha da Culatra, que têm, ano após ano, começado a entender o seu papel no seio da comunidade, mais livres dos preconceitos morais e políticos, talvez mais interessadas em aprender e evoluir. E é com a participação feminina nos assuntos do dia a dia da Ilha da Culatra que se têm organizado os habitantes e reinvidicado mais e melhores condições.

No próximo post falaremos sobre todas as diferenças entre cães e gatos, ou seja, os homens e as mulheres na Ilha da Culatra e respectivos papéis na vida desta comunidade essencialmente piscatória.

2 comentários:

  1. A antiga tele-escola teve inicio no ano de 1976 mais precisamente, posso testemunhar pois fui uma das alunas que deu inicio a essa escola onde tinhamos as aulas pela televisão.

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  2. Muito obrigada! Já está corrigido. É isso mesmo que eu peço, quem se lembra melhor dos factos que diga qualquer coisa para podermos melhorar o blog em todos os aspectos e ficarmos, assim com a informações correctas

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